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quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Alhea

Crise política para crianças

Estava diante da tela do computador, em meu escritório, acompanhando as notícias do dia 31 sobre as manifestações contra o golpe pelo site da Revista Forum, quando meu filho chegou:
- O que você tá fazendo, papai?
- Lendo notícias.
- O pai do Marcelinho vê notícias no jornal e na TV, não no computador.
- Mas são notícias diferentes. Quero dizer, o assunto é o mesmo, mas o ponto de vista é outro.
Meu filho estica o olho e vê uma foto da presidente Dilma Roussef na tela do site.
- Ela é bandida, né pai?
- Filho, ninguém pode acusar ninguém sem ter provas.
- Mas todo mundo fala que ela é ladrona. Ela e o Lula.
- Não é todo mundo. Eu não falo.
Ele me olha com ar de quem espera uma justificativa. Como explicar a uma criança de dez anos que não existe nenhum processo contra a Dilma e nenhuma prova contra o Lula?
- Lembra quando sumiu um carrinho do vizinho e ele falou que tinha sido você? O que você achou daquilo?
- Eu não gostei. Não fui eu.
- Você achou justo ele ter te acusado sem ter provas?
- Não.
- É exatamente isso que estão fazendo com a Dilma e o Lula.
- Por que fazem isso?
- Por que... Imagina que você esteja jogando botão. Aí você encontra um amigo que sempre ganha de você. Aí então, ao invés de treinar para jogar melhor e tentar ganhar dele na próxima partida, você resolve melar o jogo. Vira o estrelão, joga tudo no chão e diz que não quer brincar mais. Vai mudar as regras do jogo ou chamar seu pai para dar uma bronca no seu amigo.
Ele parece satisfeito com a metáfora. Mudo de site, vou para o Brasil 247 e aparece uma foto do Sergio Moro.
- Esse é aquele juiz, né?
- É. Aquele.
- Todo mundo fala que se ele fosse presidente do Brasil tudo iria melhorar.
- Todo mundo, não. Eu não acho isso. Eu e muita gente, mais da metade do Brasil.
- Por que?
Como explicar sobre partidarização da justiça, extrapolação de competência, usurpação de poder, princípio republicano de independência dos poderes, de tradição conservadora do poder judiciário? Voltei à metáfora.
- Imagine que na sua aula de futebol, o professor, que apita o jogo, goste mais do outro time do que do seu e comece a roubar. Só marca falta contra o seu time. Marca falta que você fez, mas não marca quando o jogador do outro time faz a mesma coisa. E se você for reclamar, te dá logo um cartão vermelho. E pior, inventasse regras da cabeça dele. É isso que esse juiz faz.
Meu filho ficou pensativo. Mas tinha algo que ainda o incomodava.
- Mas a Dilma vai ser mandada embora, né?
- Estão tentando. Mas acho isso um absurdo. É como se ela fosse aquele jogador de botão que ganhou de você, e você decidisse então melar a partida e mandasse ela embora da sua casa. Te parece justo?
Ele não responde. Ainda com ares desconfiado estica o olho mais uma vez.
- Pe-da-la-da. O que é isso, papai? É igual o Neimar faz?
- Não. É justamente disso que estão acusando a Dilma para poderem melar o jogo.
- E ela é culpada?
- Sim. Não.
- Sim ou não?
Como explicar que pedalada fiscal é uma prática cotidiana. Que o FHC fez, que o Lula fez, que 14 governadores de estado fizeram em 2015, entre eles o Geraldo Alkmin, que aliás deu trinta e uma pedaladas, contra seis da Dilma, que o Michel temer assinou um decreto de pedalada enquanto a Dilma estava em viagem ao exterior? Que mais da metade do congresso, que vai julgar a Dilma, responde por crimes muitíssimos mais cabeludos e que a pedalada da Dilma era tão somente para garantir a manutenção das despesas com os projetos sociais que transformaram o Brasil, segundo a ONU, em exemplo de política redistributiva bem sucedida? Voltei à metáfora:
- É aquela história do professor de educação física que gosta mais de um time do que do outro. Ele só marca falta contra seu time. Imagine que os dois times põem a mão na bola, mas ele só marca falta quando a mão na bola é do seu time. E pior, ainda te expulsa de campo. E os outros que colocaram a mão na bola? Não deveriam ser expulsos também? Por que só você? Ou expulsa todos que colocarem a mão na bola ou não expulsa ninguém. Faz isso por que ele torce para o outro time.
- Você é a favor do Lula e da Dilma, né?
- Nesse caso sou. Eles são do time que o juiz não gosta. Não acho justo.
- Por que você gosta deles?
Como explicar sobre desigualdade social, sobre Estado patrimonialista, sobre política internacional, sobre jogo de forças, sobre projeto político? De novo a metáfora:
- Imagine que o dono da cantina da sua escola só servisse almoço e lanche da tarde para uma ou duas crianças da sua turma, e todo o resto da classe não tivesse direito de comer ou beber nada na cantina. Isso seria legal?
- Seria, se eu fosse um dos dois para quem ele serve comida.
- Mas sua classe tem quase trinta alunos. Como ficariam os outros? E se você não fosse um daqueles dois?
- Eu pegava a comida deles.
- Hum... Pode ser, é uma saída. Mas iria gerar uma tremenda confusão, iria ter briga. Tenho uma ideia melhor: e se trocassem o dono da cantina e colocassem um que dividiria a comida entre todos. Não seria melhor?
Meu filho entendeu meu ponto de vista e perguntou:
- Então, por que você não foi na greve?
- Não era greve filho, era uma manifestação. As pessoas foram para a rua para dizer aquilo que pensam. Para se manifestar. Entendeu?
- Praticamente. E o que eles querem?
- São contra o golpe.
- Que golpe? No caratê tem um muito radical. Assim olha! Dá um chute no ar seguido de um murro.
Recorri à metáfora mais uma vez:
- Lembra da história da cantina? Imagina que depois que entrou o novo dono, o antigo quisesse voltar. Algumas pessoas foram para a rua para dizer que querem que o novo dono da cantina continue por lá. Outros foram falar que aquele juiz não pode marcar faltas só a favor do time que prefere. Tem que ser justo e marcar para os dois lados. Foram falar que o juiz tem que seguir as regras oficiais e não inventar regra da cabeça dele. Outros foram falar que não vale melar o jogo quando a gente perde e que regra é para ser seguida.
- Legal. Posso jogar joguinho no seu computador?
- Mas eu estou lendo, filho.
- Então o computador é só pra você?
- Não. Vamos combinar assim: daqui a vinte minutos te passo o computador. Fica um pouco comigo, um pouco com você.
Ele aprovou a proposta e saiu cantando “tá tranquilo, tá favorável”.
Que inveja das crianças.
É isso mesmo, ou o palhaço está vendo coisas?
 
Ver a fonte do artigoFonte: entretenimento.r7.com